Adiamos demais a homenagem a essa mulher de sangue italiano,
que forjou na lida da vida um jeito de ser que mistura um pouco
do mineiro, do nordestino e do índio…
Não deve ser por acaso que se chama(va)
IRACEMA
Que dizer da árvore que faz sombra fresca em nossas vidas?
Mulher de parcos estudos, aqueles emprestados pela amiga remota na porteira do sítio.
Menina “que nunca foi numa escola”, talvez por
isso, tão inteligente e moderna demais pra sua geração.
Mulher da roça, da horta, e do curral; criadora de gado, de galinhas e de porcos,
chegou a tirar leite das vacas minutos antes de parir a Daile, sua segunda cria.
Pode até não admitir, mas tem um quê de bruxa, faz suas poções e suas magias, lê nos
olhos a tristeza alheia, enfeitiça cobra, é curandeira e parteira de bicho e de
gente… Muitos experimentaram seus feitiços.
Comadre de tanta gente, “madinha” dos rebentos que botou no mundo, lembra de todos os
aniversários, e ainda acha que é “esquecida”.
Rezadeira desde pequena, a italianinha cantava em latim como um canário afinado.
Dia desses, cantarolando e contando parte de sua história de infância, me fez chorar
vergonhosamente. História sofrida, como a de tantas mulheres desse mundão de meu
Deus, as vezes até choca, mas pensa que ela se lastima? Se as mágoas existem,
e deve haver tantas, elas não contaminam sua alegria de viver.
Sua espontaneidade chega queimar como brasa, é ai, talvez, que resida sua
autenticidade, não mede as palavras, fala mesmo pelos cotovelos, doa a quem doer…
Ah…Doce menina ‘Racema…Que seria de nós sem os brinquedos?
Será que seriamos os mesmos sem tua magia de bruxa?
A “lebrona”, como dizia o vô Tonico, botava ovos coloridos sem errar a cor desejada,
na Páscoa tão feliz mesmo sem ovos de chocolate. Artesã de bonecas de sabugo de milho
e de pano, e apaziguadora de brigas dos netos com frases matutas (“Se não parar de
judiar da sua prima, vou colocar você pra dormir com o calcanhar pra trás”,
lembra disso Cláu?).
Quem não ganhou uma pombinha de massa de pão, com
olhinhos de carvão e cisquinho de vassoura no bico? Quem não comeu pão
caseiro molhado naquele molho de frango caipira que só ela sabe fazer até hoje?
São tantas as coisas miúdas que nos encantaram, que não tenho eu a pretensão
de esgotá-las, mas espero que essas poucas lembranças aticem a lenha da memória,
pra que em volta do fogão de lenha, qualquer dia desses, colhamos histórias e as
carreguemos na roda da saia, feito os ovos que a Iracema traz do terreiro…
(Donana)
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