O pé de serigüela
Localizado logo atrás da casa da vó, no caminho que leva à mangueira, um pouco antes da cocheira dos cavalos e da tulha principal, lá está ele, imponente, frutífero e convidativo, o pé de serigüela. Se pudesse falar, diria muitas coisas. Contaria muitas histórias de nós, crianças, que empoleirados em seus galhos mais grossos nos deixávamos viajar muito longe na imaginação.
Contaria que seu fruto, as serigüelas, quando ainda verdes serviram muitas vezes de saladinha em nossas brincadeiras de “casinha”. Nessas sim participavam as meninas, porque não eram bestas como eu, que me deixava servir de alvo ambulante e choramingão à pontaria certeira e malina do Claudemir. Muito embora me fosse dada antes a vã oportunidade de acertar alguma seriguelada no Clau, isso de nada adiantava. Nunca senti o gostinho de acertar-lhe o lombo. Nunca. Da parte dele, pelo contrário, divertia-se e muito já que em mim nunca errou uma só seriguelada que fosse. Aliás, da mesma forma que em qualquer jogo eletrônico que para cada ponto feito acendem-se luzes e emitem-se sons, a boa mira do Clau era recompensada e computada com um roxidão e um escandaloso choro que a vó podia ouvir de onde quer que estivesse.
O pé de seriguela, nas vezes em que o Alex no sítio vinha passar as férias, sempre prestou-se a função de “nave espacial“, na qual fazíamos as mais extraordinárias jornadas, onde travávamos as mais terríveis batalhas estelares com escabrosos seres de outros planetas. Coitadas das galinhas que por ali ciscavam. Será que imaginavam que eram elas os abomináveis marcianos?
Lembro bem e com saudades de umas férias em que o Douglas passou uns bons, porém rápidos dez dias comigo no sitio. Devíamos ter 11 e 12 anos , eu e ele. Naqueles dias, deixou de ser o pé de serigüela somente nave espacial ou casinha, tomou novos horizontes, dos quais se destacou mais, o seguinte.
Sentados, eu e Douglas, lado a lado num dos seus galhos mais grossos, diante de uns outros menores, mais finos e jeitosos, dispúnhamos a falar e a cantar. Primeiramente o Douglas enchia de ar os pulmões e desenfreada e entoadamente dizia:
– Estamos aqui na rádio “Loucura do Povo”. Com o programa “Loucura no Ar”. Com o seu locutor, “Édi Louucurá”!!! – Sim, fazíamos dele uma louca estação de rádio. E prosseguia o Douglas:
– Aqui quem vos fala é o seu garganta de mel uel uel uel uel ueeelll…
– Com muita alegria: NOTA DE FALECIMENTO!
Tudo isso era dito sem interrupção, ensaio ou mesmo noção nenhuma. Fazíamos paródias de músicas da época com elementos do sítio. Qualquer coisa nos servia de tema. Sobrou inclusive para a Campolina, coitada. Sobre ela dizíamos e depois cantávamos:
– Agora, pra vocês, uma animada canção do grupo Ultraje a Rigor, “Mulaquete”.
Eu tinha uma mulinha
que se chamava Mulaquete…
Um dia saí com ela
e tomei um coice dela
Mulaquete Mulaquete Mulaquete…
tinha um coice de arrazar
Fazíamos paródia também das situações em que nos encontrávamos. Era época de preparo da silagem para o gado, com o milho ainda verde. Como o milho naqueles dias era a entrada, o prato principal e a sobremesa, foi inevitável essa canção:
É milho no almoço
é milho no jantar
É milho pra saborear…É milho no almoço
é milho no jantar
É milho pra saborear…
Tudo isso sobre e sob o majestoso e ainda hoje imponente e frutífero “Pé de Serigüela”
(Quem lembrar de mais alguma coisa é só continuar a contação. (Cláudio)- 01.12.04)
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