Como pude esquecer do chapéu?
Não era um chapéu qualquer, era “o” chapéu. Imponente, impunha respeito como o dono:
“-Deixe-o ai menina, isso não é brinquedo!”
Creio que daí derivava o fascínio: do proibido. Na verdade, todo o proibido instiga a curiosidade, o desafio, a ousadia… Se não fosse o proibido o que seria infração? Nada seria revolucionário, contrário, divergente.
Bom, era assim que nos sentíamos ao colocar o tal chapéu: coroados pela proeza do feito. Geralmente era escondido, ou só por uns segundos vigiados pelo olhar severo do dono.
Simbolizava o respeito, a elegância, a sobriedade, mas pra falar a verdade, a gente nem sabia o que essas palavras significavam, mas entendíamos o ícone que era aquele chapéu.
Dia desses, numa tarde daquelas cheia de fazeres burocráticos improdutivos que não fariam falta a humanidade, mas que na minha condição de subalterna tinha que cumpri-las, estava eu na fila do banco,com uma pressa daquelas, já bastante atrasada, como de costume.
Aparece-me um sujeito, já lá com seus mais de cinqüenta (Será?), meio gordinho, mas alinhado; parecia um bancário, calça social bem vincada, camisa engomada – não, engomada não, bem passada, as mulheres não fazem mais essas coisas – sapato engraxado, com seus parcos cabelos bem penteados, conversava alegremente com outros da fila.
Eu o reconheci, sabia que era irmão de um menino que estudara comigo no primário, lá na escolinha do Sete Copas, mas não me pergunte seu nome e nem o do irmão, sou péssima pra nomes.
Observei-o discretamente; puxei pela memória em vão, eles eram em muitos, não conseguiria lembrar qual deles seria. Mas mesmo assim arrisquei. Cumprimentei-o. Perguntei se era da família dos … (não posso revelar, vai que entrem aqui)
Pra falar a verdade, eu não gostava do irmão dele, quando eu era criança, achava que eles eram caipiras – eu já era bem metidinha a besta. Ele confirmou. E foi muito simpático, perguntou sobre meu pai, sobre meu avô, e eu, fiquei fazendo rodeios, não perguntei nada sobre sua família com medo de dar um fora, do tipo “E sua mãe, como vai?” E ouvir um: “morreu…” Não, isso seria o fim.
Falamos sobre o vô, desse assunto eu entendo bem. Fez, então, um comentário que me trouxe o chapéu à memória:
“- Lembro do Seu Tonico sempre elegante e alinhado com o seu chapéu na beira do campo de futebol…”
(Ana – 19/08/04)
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